21 abril 2006

Poema em linha recta.

"Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas
Vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondívelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu que tantas vezes não tenho tido paciência para
tomar banho,
Eu que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes
Das etiquetas,
Que tenho sofrido enxovalhor e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo
Ainda;
Eu, que tenho sido cómico ás criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de
Fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, Pedindo
emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho
Agachado
Para fora das possibilidades do soco;
Eu, que tenho sofrido a angustia das pequenas coisas
Ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um acto ridículo,nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão principe- todos eles principes- na
Vida....

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse não uma violência, mas uma cobardia!

Não,são todos o ideal, se os oiço e me falam
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma
Vez foi vil?
Ó principes, meus irmãos,
Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e erróneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traidos- mas ridiculos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traido,
Como posso eu falar com os meus superiores sem
Titubear?
Eu, que tenho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza."

Álvaro de Campos

1 comentário:

Sophie disse...

Ai que saudades de ouvir a nossa Zana a declarar um poema de Álvaro de Campos... e eu ali, a ouvir :)

E tanto que eu também gosto de o ler... na simplicidade das coisas é que está um grande mundo:)

Beijinho gd