12 novembro 2010

O senhor do Adeus?

A grande notícia de hoje é ter-me sentido surpreendida pela notícia do jornal.
Refiro-me no sentido em que ser-se surpreendido pelas notícias, hoje em dia, significa que houve alguma catástrofe, morreu alguém inesperadamente ou que o governo acabou por descubrir um erro de trocos daqueles que andou meses e meses a fazer, coisinhas que são tão repetidas que não surpreendem já... No fundo cria-se uma certa resistência a essas notícias. Mas hoje sim.

Era algo sobre um senhor que dizia adeus, por isso chamado "senhor do Adeus" que, segundo li depois, se auto-proclamava antes o "senhor do olá". Tinha morrido.

Em primeira instância não foi a surpresa que me atacou. Pensei que ao estar fora há tanto tempo já não sabia das coisas e certamente este seria um senhor importante que eu não havia conhecido jamais em tempo algum de sua existência. Não estava eu tão longe da verdade, isso sim, não da forma que julgava.

Resumidamente Lisboa tinha-me remexido por dentro com a morte de um senhor que dizia simplesmente "adeus" aos carros a altas horas da noite.
Não sei se ao dizê-lo tão assim em linhas simples ofendo o que o senhor fazia, essa não é a intenção. Por muito que diga "simplesmente" escrevo hoje porque não quero subtrair importância ao que fazia. Foi o seu gesto e a sua morte que se gerou uma reflexão manifesta (deixo-me acreditar...) por um grupo de pessoas que, cientes da sua morte e do que havia feito em vida, foram para o seu sítio e também eles disseram adeus a todos os que passaram.


O que me tocou bem no mais fundo de mim foi o facto de estarmos a falar de um velhote solitário que dava a quem ali passava, um gesto. Um olhar e um adeus.
Na notícia havia gente que referia que já era um hábito esperado, uma peculiaridade dentro da grande Lisboa. As suas vidas seguiam exactamente iguais no fundo e nunca ninguém parou para falar com ele, mas sentiam a perda.

Foi post-mortem que as pessoas viram algum efeito e se animaram a homenagea-lo. Talvez menos conscientes do que podiam ter-lhe dado enquanto vivo em troca, do que reflexivos sobre o que é que tudo isto nos pode estar a dizer sobre nós mesmos.

Da minha parte entendi que, principalmente nas grandes cidades, onde se supõe que a mentalidade é mais aberta, que aceitamos as coisas dos demais («porque há gente estranha.» insistimos em pensar), que podemos dedicar-nos a concretizar os nossos sonhos (podemos procurar mais recursos e oportunidades- ou por outra podemos escravizarnos a isso.), deixamos de ser conscientes dos outros e passamos a viver tão sobre nós que estes gestos de fora passam a ser actos de loucura que acatamos com uma certa condescendência, até que, por repetição, fazem parte do dia...
É quando faltam que de repente nos dá a saudade, à boa maneira portuguesa neste caso e nos juntamos ali para dizer "adeus", como ele fazia.

Se há lição que creio ter-me dado este senhor é que temos o mesmo poder para olhar quem nos rodeia, sorrir, ver, acenar :o), deixar um sorriso sem quê nem porquê aqui e agora não tira o sentido dos demais sorrisos que enviamos a quem nos merece tais gestos...

Com pequenos gestos podemos mandar mensagens positivas, sem deixar os nossos próprios propósitos, mas por uma vez não sendo escravos de nós ou dos nossos sonhos. Por uma vez deixar de julgar mal ao do lado, cruzar-nos com ele e sorrir-lhe («Que tenha um bom dia») e só depois voltar àquele pensamento que nos apoquenta, já com um sorriso enviado;o).

Eu hoje, deixo um "olá", a estas horas acompanhado internamente de um «Que tenha um bom dia.»:o) somente em homenagem ao "senhor do olá".